Fala como se já nos conhecesse há muito tempo e, ainda que vá focando pontualmente o nervosismo por nunca ter dado o seu testemunho, a sensação que nos transmite é de calma. Traz o à-vontade para a conversa e, ainda antes de começarmos a gravar, vai dando pistas sobre a preocupação com a saúde mental, efeito colateral de doenças como a covid-19 ou a psoríase.
Graceja sobre os colegas, “se vissem não acreditavam!”, mas o discurso de Anabela é seguro e focado, e não nos deixa margens para dúvidas: sabe que, na psoríase como noutras doenças, “não estamos todos no mesmo barco, estamos todos no mesmo mar mas com barcos muito diferentes”.
O primeiro impacto com o diagnóstico, recorda, foi “muito negativo”. Imediatamente depois do nascimento do filho, aos 32 anos, Anabela começou a notar “problemas nos cotovelos”, que depois se estenderam a outras zonas. Foi logo ao dermatologista, que diagnosticou psoríase. Antes disso, recorda, pouco sabia sobre a doença, uma vez que não conhecia ninguém próximo com a patologia.
No momento do diagnóstico, as preocupações de Anabela centraram-se tanto no que lhe iria acontecer a ela, como no medo de transmitir ao filho a doença, uma vez que a componente genética não é alheia na psoríase. Sentiu, recorda, “uma grande confusão interior”.
Primeiro estranhamos e depois entranhamos, não é?
Como em tudo na vida…
Anabela depressa percebeu que seria mais fácil lidar e combater o estigma com conhecimento, motivo pelo qual sempre foi explicando às pessoas mais próximas que é doente psoriática: “Para perceberem por que motivo os meus cotovelos e o meu couro cabeludo estavam sempre a descamar.” De pessoas não relacionadas, recorda, via sempre “um olhar de muita desconfiança, até alguma repulsa”.
Em algumas situações, recorda, sente a tendência para as pessoas se afastarem ou “tentarem limpar”, em alturas nas quais a pele descama mais, o que causava algum desconforto. Mas ressalva: “Pode ser uma reação impensada, mas que para mim era desconfortável.”
Técnica superior na CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), Anabela tem uma sensibilidade muito apurada para os estigmas da sociedade e, por isso, é com convicção que afirma que nunca sentiu nenhum tipo de estigma: “Os colegas podem olhar, querer saber o porquê de muitas vezes andar irritada, mas nunca senti discriminação.”
Não deixei de fazer nada pelo facto de ter psoríase
Além das lesões na pele, Anabela tem, atualmente, a designada artrite psoriática, diagnosticada há cerca de três anos. Foi numa viagem que exigiu caminhadas longas e muitas horas a pé que começou a sentir os sintomas, “muitas dores nos pés, nos braços, nas articulações de forma generalizada”. O que a princípio entendeu como cansaço era o sintoma da comorbilidade.
O percurso com psoríase faz-se com a gestão dos tratamentos, que passaram de cremes e pomadas para comprimidos e, neste momento, para os biológicos. Apesar de exigirem um grande controlo, Anabela reconhece que as melhoras são significativas. Este percurso, explica-nos, é feito em proximidade e codecisão com o dermatologista, que tem um papel fundamental na evolução dos doentes com psoríase. Sabe, contudo, que nem todos têm acesso aos mesmos tratamentos, e aponta para questões monetárias a relutância em apostar-se em terapêutica biológica.
Faz falta legislação, faz falta proteção, faz falta as pessoas serem tratadas como pessoas, faz falta que toda a gente tenha acesso a ir a um dermatologista
Falar de assimetrias, em psoríase ou em todos os outros campos, é fácil para Anabela. A sua profissão mas também a sua sensibilidade permitem-lhe reconhecer o que é preciso mudar, ainda que não o sinta na pele.
É perentória em denunciar os tempos de espera para uma consulta em especialidade, sobretudo para patologias que não são letais: “Os Estados não olham para a saúde, e muito menos para este tipo de doenças, porque é uma doença que incapacita, mas não mata à partida, vai-nos matando, vai-nos diminuindo.” Esta espera, resume, traduz-se em falta de motivação para os pacientes, que se vão acomodando a não ter tratamentos adequados. A falta de informação de médicos de clínica geral, como os médicos de família, é também uma preocupação: “Desvalorizam.”
Vale a pena perceber, não é saber apenas por saber.
É saber e perceber
Voltando ao princípio da conversa, e agora já em entrevista, a técnica da CIG sublinha a correlação entre o stress e os episódios de psoríase – “com aquilo que nos acontece, de bom e de mau!” – e, por isso, um dos conselhos que mais repete é o de ser preciso “tentar manter a calma”. Ainda que, a princípio, não tenha sido fácil lidar com o diagnóstico, o tempo fê-la perceber que é fulcral “aprender a conviver” com a doença, tanto o paciente como os que o rodeiam. O espírito otimista fá-la fazer a ressalva de que “é uma doença que não tem cura, mas que poderá no futuro ter”.
Anabela já não se deixa abalar pelos olhares mais indiscretos e sabe qual deve ser o pensamento: “Todos podemos ser potenciais de tudo.” Não ter psoríase hoje não significa que não tenha amanhã, e também por todos “estarmos sujeitos”, devemos treinar a empatia e deixar os preconceitos de lado.
Admite que ser doente psoriática a faz ter mais cuidados consigo própria, estar mais atenta aos sinais do corpo e da mente, e sabe também que a capacitou (ainda mais!) para olhar para o outro com maior cuidado e maior empatia.
Se calhar comecei a olhar para as pessoas de outra forma